Tem uma quitanda de uma família oriental aqui no bairo. Atenciosos, produtos frescos. Boa para fazer compras, apesar de um pouco mais caro que mercado grande (além de fortalecer o comércio dos irmão).
Eu ia toda a semana lá comprar legumes e ovos pois minha academia era quase ao lado. Uma época que ia com a Bia, pois estávamos treinando no mesmo horário.
Quando troquei de academia, parei de comprar lá com tanta frequência. Isso tudo faz uns 3 anos.
A Bia ainda treinava lá perto e continuou indo mais regularmente e a senhorinha que sempre me atendia já tinha perguntado pra ela sobre eu não aparecer mais lá – Bia explicou da troca de academia.
Hoje eu e Bia fomos comprar legumes e a senhorinha estava lá – já não a via a mais de ano, todas as últimas vezes que fui na quitanda era o marido que estava trabalhando.
Fizemos nossas compras e fui para o caixa enquanto a Bia ainda escolhia o último legume. Comecei a passar e pesar os produtos com a senhora e quando a Bia chegou foi prontamente reconhecida.
A senhora olhou pra mim, olhou pra Bia, e na maior curiosidade e intrometimento na vida alheia, sem nenhum pudor, se virou pra Bia e perguntou:
– Mas esse não é aquele lá, é? – e voltou se virar pra mim.
Depois da saga do com o Railroad Tycoon de tentar finalizar todas a campanhas ganhando a medalha de ouro em todas as telas (saga ainda não finalizada), comecei outra também no ramo das ferrovias digitais: Railway Empire (adquirido quando estava gratuito na Epic Games) – outro jogo na categoria tycoon – jogos planilháveis, os melhores jogos.
Por enquanto joguei apenas as duas primeiras telas da campanha, mas senti que Railway Empire adiciona bastante complexidade se comparado com o clássico Railroad Tycoon – série em 1990 na consagrada Microprose e teve participação de gente com trabalho incrível na categoria “jogos planilháveis”, Civilization é um exemplo.
O Railway também tem mais micro-gerenciamento: você precisa planejar as rotas de maneira que não tenha congestionamento nos trens – o que achei um pouco complexo no início e comecei a adorar em meu último jogo.
Você também tem que cuidar da parte de contratação de equipe – algo opcional, mas que permite bastante otimização de resultados financeiros nas linhas dos trens que você otimizar a equipe.
Você também pode contratar pessoas para cargos na empresa para conseguir alguns bônus (engenheiros, contadores, etc) e sabotadores. Esta parte foge um pouco do estilo tycoon clássico e achei dispensável – adiciona um pouco do RTS e sensação de ter inimigos e não competidores no jogo.
Como está lá e meu objetivo é fechar tudo com score máximo, vamos usar.
O Railroad tem um sistema de “medalhas” para mensurar sua performance em cada tela do jogo, com objetivos necessário para passar em cada uma das 3 medalhas.
O Railway mede sua performance com uma pontuação de 0 a 30 no final do jogo, tem missões opcionais ( necessárias apenas para chegar a 30 pontos).
O jogo também tem o mercado financeiro e a possibilidade de comprar e vender ações de concorrentes (mas, até onde vi, não da sua própria empresa e nem a possibilidade de criar novas empresas, pelo menos no modo campanha).
Existe também um mercado financeiro de commodities – que ainda não entendi muito bem o funcionamento, nem se é possível manipulá-los de alguma maneira e se é afetado pelas minhas decisões (rotas e conexões feitas no mapa e economia do jogo).
Uma diferença para os jogos da série Railroad é a impossibilidade de utilizar os trilhos dos concorrentes pagando uma taxa por isso – essa impossibilidade cria algumas bizarrices no jogo, como construção de duas estações de trem (sua e do concorrente) lado a lado na mesma cidade, e trilhos seguindo lado a lado para os mesmos destinos.
A construção de trilhos, que achei um pouco entediante no início, passei a achar muito divertida – como criar rotas rápidas que não causem tráfego? Você define o sentido de cada trilho e posiciona os sinais de parada nas intersecções – além da parte de estratégia e economia, é importantíssimo otimizar os trilhos e as rotas mais lucrativas de maneira que seus trens fiquem o menor tempo possível aguardando a liberação dos trilhos.
Foram 7 meses saindo de casa apenas para o extremamente necessário: mercado, farmácia, açougue, comida para os gatos (ainda farei uma análise de dados de geolocalização neste período).
Sábado fui a BH, mas a negócios e bate-volta: quase nem conta! Infelizmente entrei num avião pra parte do processo. Dessa viagem saiu uma reflexão que me fez perceber e assumir algumas coisas.
Ontem sim, a primeira aventura e viagem por lazer neste período: finalmente visitando a família no sul, depois de 7 meses longe.
Desta vez curtindo a estrada (mesmo que de carro). E muito bem acompanhado.
Na pandemia, ainda mais importante evitar ambientes fechados, aglomerações e… buffet.
A #hobbitkjøkken móvel tornou-se ainda mais necessária. E segue com luxo – não foi um Coco Bambu como outrora – graças a maravilhosa @_biab e suas receitas nós comemos muito bem e com praticidade: macarrão com molho vermelho, berinjela, abobrinha, tomate cereja e atum. Um banquete possível de fazer numa única panela (dela tem uma queda por estas receitas denominadas pela estrangeirismo “one pan”).
Almoçamos com uma vista do Paraná e com infraestrutura melhor que muito camping: mesa, pia e água corrente. Paramos no mesmo lugar desta foto.
Mandei foto do almoço pra família, pra informar onde estávamos e como estava a viagem e a resposta de minha mãe: “o espírito cigano prevalece”.
E é isso. Wanderlust – uma palavra tão linda (obrigado Gogol Bordello por e assistente o termo) para um significado tão verdadeiro e presente em minha vida: desejo de viajar.
E eu não poderia ter uma companhia melhor parte estas aventuras, obrigado biábe!
Um dos motivos que gosto muito de viajar de moto é o estado de solitude trazido pela estrada, mesmo que esteja com (ou na) garupa.
Eu, a moto, a paisagem e a estrada – é uma longa e deliciosa meditação, ideal para organizar a bagunça que é o cérebro humano em seu estado natural: o de nunca parar.
Este post começou como um tuíte sobre outro assunto. Apaguei e virou um thread sobre viajar, que virou um post sobre moto. Apenas mais um exemplo do cérebro que nunca para.
Ontem fiz pouco mais que 700km viajando de carro, de Belo Horizonte a Sorocaba – um “bate-volta” atípico: fui voando e voltei rodando.
Nestes 600km e 8h ouvi 5 episódios de podcasts sobre variados assuntos, entre eles as eleições nos EUA, slow code/no code, investimentos ESG, a guinada digital da Magalu e ouro.
É raro eu viajar longas distâncias de carro sozinho. Sempre opto por pegar a estrada de moto quando isso é possível. É mais econômica, mais prática e pra mim, muito mais prazerosa.
Nesta viagem de carro não consegui replicar o sentimento de solitude de minhas viagens de moto – não sei se pelo estado de espírito ou pelo meio de locomoção.
Mas perceber isso me fez refletir e escrever sobre o assunto, pois só notei isso hoje, um dia depois da viagem. Quando comecei a organizar estas idéias e transformar em parágrafos o primeiro sentimento foi: aconteceu, eu virei o motoqueiro babaca.
Comecei a pensar sobre os motivos dessa diferença de sentimento entre as viagens de carro e moto – provavelmente como forma de tentar me convencer de que não virei o tiozão motoqueiro insuportável.
Que ironia que esta preocupação levou a escrever sobre viajar de moto – que talvez sejam exatamente o que define o esteriótipo “sou motoqueiro, porra“.
Tentei começar a listar o que traz a boa sensação e estar na estrada de moto, são vários fatores e tentarei abordar alguns.
Apreciar a paisagem, sem dúvida, me ajuda no sentimento de solitude, de sentir pequeno neste mundo gigantesco, de perceber que talvez meus “gigantescos” problemas pessoais sejam insignificantes neste universo.
Sentir-se insignificante é libertador.
Estar na estrada e poder admirar a paisagem me ajuda a ver entropia: tudo é desorganização e desordem, mas quase sempre funciona.
Infelizmente boa parte da viagem de ontem foi noturna – de moto sempre que possível evito rodar a noite, de carro não ligo de dirigir a noite.
No carro a paisagem, mesmo durante o dia, não é a mesma. No carro sou um espectador através de um limitador, uma tela. A janela uma TV que me afasta da realidade.
Não sinto o ambiente, os cheiros da estrada e do mato, o sol queimando ou a chuva gelada, o vento na cara. Cada vez mais o motoqueiro babaca emerge nestas palavras, eu sei que você tá me julgando.
Viajei algumas horas com o som desligado para pensar na vida (já viajei de moto ouvindo música, e é uma delícia também) mas também em nenhum momento consegui manter a total concentração que tenho na meditação ou na moto.
Viajar de moto exige muito mais concentração do que o carro. O risco é maior, talvez por isso.
Será que o que descrevo como solitude é só adrenalina? Serei eu um “junkie” por adrenalina? Pior ainda do que ser o motoqueiro chato, pois a chance de Darwin Awards aumenta.
A concentração é verdadeira. O prazer da solitude também vem da concentração, por isso sempre comparo uma viagem de moto com uma longa meditação.
E concentração me ajuda a lidar com ansiedade. A moto exige que meu cérebro se foque no agora e não nos “e se” do futuro.
Preciso estar com o olho na estrada, entrar na curva de maneira correta, estar pronto agora se o veículo da frente fizer alguma loucura. Tudo isso é sempre no agora.
A moto também permite que eu pare com facilidade em qualquer lugar. Gostei da paisagem? Encosto, me estico, dou uma respirada, olho ao redor.
Estar de moto na estrada também atiça a curiosidade de outros aventureiros. É parar para tomar um café ou almoçar e alguém vem puxar papo. Pra onde vai? De onde vem? Já troquei ideia com todo o tipo de maluco na estrada, recomendo.
Cheguei até aqui, você também. Tentei encontrar uma conclusão decente para este texto, que inicialmente se chamava “A meditação de 10h”.
Salvei como rascunho. Reli algumas vezes.
Olhei 15 minutos para o cursor de texto pisando no que seria o último parágrafo, procurando alguma ideia genial para tentar encerrar esta exaltação a um meio de transporte que coloca o piloto em risco, e acho que só existe uma saída honrosa num momento desses. Alterei o título e é hora de sair do armário.
Esses tempos refletia no twitter sobre a importância de tomar mais cuidado com tarefas domésticas, especialmente na cozinha, nestes tempos de pandemia.
Evitar acidentes e ter que enfrentar fila de hospital cheia de covid e desgraceira é uma coisa sensata e sempre tento manter isso em mente quando vou fazer alguma coisa potencialmente perigosa.
Concentradíssimo procrastinando no Twitter depois de um dia bastante improdutivo, demorei para perceber que o silêncio tomou conta da casa em um horário anormal para tanta calmaria.
Agitado, perguntei meio alto:
– Biábe, tu tá em silêncio por muito tempo. O que tu tá aprontando? – NADA! Fica aí! – Bia! O que tu tá fazendo? – Espera! Não vem aqui. Sério, espera!!!
Comecei a levantar da cadeira do escritório – que por ser de rodinhas, fez barulhos. Bianca apareceu correndo, com uma vassoura na mão, e parou na porta do escritório apontando a vassoura pra dentro:
– Fica aqui! Não vai lá. Só mais um pouquinho, espera. – Bianca… o que tu fez? – Nada.
O Anderson França descreveu SP de uma maneira que eu não conseguiria: a visão de um carioca explorando a selva de pedra. A leitura esquentou meu coração ao me fazer lembrar de como eu fui acolhido por essa cidade com fama de fria e cinzenta.
Quem fala que “não existe amor em SP”, não chegou lá como migrante.
Tenho poucas lembranças da primeira vez que fui a SP. Eu era um pirralho, devia ter 13 anos e fui com meu pai. Ficamos hospedado em um hotel na região da 25 de Março – a viagem foi para fazer compras pra loja da minha mãe. Ficamos 2 exaustivos dias, batendo perna e entrando em todas as lojas de armarinhos da região.
Duas coisas me chamaram a atenção na cidade. A primeira foi o hotel – o prédio mais antigo que eu já tinha entrado até aquele momento. Era um lugar que deve ter sido lindo quando novo, mas tinha aquela decadência da região. Pé direito altíssimo, um lobby que algum dia foi glamuroso e agora tudo era velho. O quarto tinha uma sacadinha tão curta que não dava para entrar, com o parapeito de ferro, todo decorado e cheirando a ferrugem. A fachada toda ornamentada e decorada, mas com aspecto de velho e mal preservado – como a maioria dos prédios da região.
A segunda coisa foi o grande camelódromo a céu aberto que era o viaduto da Santa Ifigênia, fiquei fascinado. Os CDs falsificados eram mais baratos e tinham opções que nem chegavam no camelô de Passo Fundo. Foi lá que comprei um Corel Drawn piratão para começar a trabalhar fazendo materiais gráficos – e provavelmente, alguns jogos piratas.
Anos depois voltei, turistão, pra conhecer a @biab. No fim da adolescência, a cidade era ainda mais incrível.
Tudo era novo, tudo gigante, tudo agitado. Tudo bem distante de realidade de Passo Fundo e seus 200 mil habitantes sempre preocupados sempre com status.
O que mais me chamou a atenção nestas visitas turísticas – e que continuou me surpreendendo nos primeiros meses que fui morar lá foi a quantidade de gente que eu via ao sair na rua.
Eu, bem “piá de interior”, ficava sobrecarregado com a quantidade de informação, rostos e pessoas que via diariamente. O que eu via de gente em uma estação de metrô era mais do que a quantidade de pessoas que eu via em Passo Fundo numa semana inteira.
Anos depois, numa visita do meu irmão, quando isso já passava batido pra mim, ele me falou como era difícil andar em SP, que tinha muita gente e tinha que estar sempre atendo e desviando de coisas, e consegui novamente olhar praquela cidade com o olhar admirado de “primeira vez”.
Foi em SP que começou minha vida adulta de verdade, longe de família e dos amigos de infância, com as contas pra pagar e ansioso pelo o salário.
E SP, cinza, da garoa, corrida, com cada formiguinha atribulada fazendo seu corre e deixando a esquerda livre para os ainda mais apressados, me acolheu.
Entre o olhar paulista e o almoço corrido pra bater ponto, fiz amigos. Os queridos amigos do meu primeiro emprego na cidade talvez nem façam ideia do quanto foram importantes por me fazer sentir bem naquela cidade gigantesca onde eu não conhecia quase ninguém.
Quando decidi que SP seria minha nova moradia, a cidade também me deu outra família, que me acolheu até eu achar um lugar para morar.
SP também me deu outro sotaque. A mistura do interior do RS com o paulistano “MANO, tri massa!” – sotaque já contaminado pelos anos morando em Sorocaba. Quando mudei, eu odiava a gíria “mano”. Trabalhando com cariocas, quase me peguei falando “mermão” e abracei o mano. SP é mistura – e não to falando da carne ma marmita.
Em SP eu conheci gente de tudo quanto é lugar do Brasil – e de fora dele. Nunca me acostumei a estar andando na rua e ouvir alguém falando outro idioma, andando naturalmente pela cidade, já com o olhar paulistano.
SP foi quem me possibilitou participar de eventos e da comunidade de desenvolvimento “fisicamente” – antes só participava de fórum e em blogs.
E quanta coisa acontece em SP!
Logo que cheguei a empresa me deu a oportunidade de ir em um evento da W3C – a primeira turma do curso de HTML5. Lembro que estava completamente empolgado com aquilo ocorrendo na minha vida.
Também foi SP que me ensinou que eu não era tímido. Só descobri isso anos depois de morar lá, quando um amigo disse que eu não era tímido – eu sempre havia me considerado tímido. Mas, ouvindo aquilo, fiz uma retrospectiva e acho que SP mudou um pouco isso também.
SP me ensinou que quarta tem feijuca, que pastel e caldo de cana é café da manhã, que dá pra beber em padaria – perdão, em padoca. E um pingado e um pão na chapa é patrimônio cultural.
SP me mudou. Fiz uma pós graduação, passei por dois empregos e também abri duas empresas.
Ganhei um housemate, amigos, dinheiro e uma gastrite, porque o amor de SP não é mão única. SP ama, mas cobra.
As ideias deste artigo começaram a surgir depois de ler Homo Deus, do Yuval Noah Harari, e assistir Dark, da Netflix. Livro e série recomendadíssimas se o assunto te interessar. A verdade é que tudo começou mesmo nesta thread do Twitter e estou refletindo sobre isso desde então.
Com alguma frequência, aos domingos como pizza amanhecida no café da manhã.
O cheiro de café passando se espalhando pela cozinha enquanto o queijo derrete e escorre pela lateral da fatia de pizza, estalando quando encosta na chapa aquecida sobre o fogão. Assim começou meu domingo.
E como de costume, depois do café da manhã, minha intenção era assistir algum desenho, refletir porque insisto em alguns animes e sentar no escritório para jogar pela manhã toda — brigar por mais marketshare no lucrativo mercado que se tornou a colonização de marte, em Offworld Trading Company (tá na Steam).
Fecho a janela da cozinha para evitar o vento gelado — janela limpíssima, que limpei ontem cedo quando acordei, e ainda não sei bem por quê. Ingrata é a tarefa de limpar vidros, sempre aparece uma manchinha! Ao fazer isso, sinto o cheiro de gás e lembro que minha tentativa anterior de resolver o problema de vazamento não teve sucesso.
Arrasto o fogão para a frente, encho a esponja de detergente e penso: agora vai. Depois de uns vinte minutos de uma minuciosa vistoria com muita espuma de detergente, soltando e apertando as braçadeiras metálicas nas mangueiras de gás — por dentro e por fora da cozinha, aparentemente o problema estava sanado. Sem risco de explosões e sem cheiro de gás na cozinha posso voltar a dedicar minha manhã a arte de passar tempo e refletir sobre a vida – e ver animes para reclamar com propriedade do gênero.
Terminei de comer, liguei a TV e fui lavar a louça, como de costume. Percebi que o fogão estava sujo. O fogão de 4 bocas tem as duas traseiras sempre ocupadas por uma chapa de ferro, sempre pronta e aguardando um pão com manteiga pra ser dourado (ou minha pizza pra requentar).
As duas bocas da frente acumulavam pingos de óleo, sujeira e algum pó. Vinte minutos e isso seria resolvido com uma esponja, estimei inocentemente. Joguei um pouco de água quente e detergente pra soltar tudo, removi as grades das bocas frontais e comecei.
Me considero uma pessoa prática e pouquíssimo adepta de limpezas profundas. Não me entenda mal, eu gosto de coisas limpinhas. Mantenho a louça lavada (e a pia brilhando, modéstia a parte), o banheiro limpo, o banho é diário. Eu não gosto é do conceito de “lavar a casa” exceto em casos extremos — tipo derrubar uma panela de óleo na cozinha. Eu vivo pelo conceito de manutenção preventiva: uma limpeza frequente e leve evita a necessidade de você se debruçar para esfregar o chão com escova, balde e sabão.
Mas isso não é válido para todo mundo. “O gserrano não liga pra sujeira” — foram estas palavras que a Bianca Brancaleone encontrou, de maneira quase educada, para falar pras visitas aqui em casa no último final de semana que ela me considera um porco.
Minha estimativa de vinte minutos para dar uma tapeada e deixar o fogão aceitável estava completamente errada – passei mais de hora limpando pois mudei a estratégia. Retirei a chapa e todas as grades das bocas, limpei detalhadamente as quatro bocas, limpei a frente do forno, os botões das bocas, a lateral do fogão que nem fica visível mas as vezes respinga alguma coisa. Lavei até a chapa – tirando todo o gostinho delicioso das comidas anteriormente preparadas – que erro. Limpei até aquela inútil tampa de vidro que até hoje não compreendo porque fogões tem. Ingrata é a tarefa de limpas vidros!
Ainda não compreendi o que me motivou ou porque eu, livremente, optei pela ingrata tarefa de fazer uma limpeza profunda quando uma limpeza rápida teria o mesmo efeito prático (e higiênico, acredite).
É com esta longa introdução que começo o assunto que realmente interessa: não existe livre-arbítrio.
Se existisse posso afirmar que eu não optaria por tarefas “sem sentido” como as que fiz nesta fatídica manhã de limpeza, ou ainda na semana anterior limpando os vidros das janelas. Como é que eu tomei estas decisões e por quais motivos?
Para discutir se existe ou não livre-arbítrio, temos que discutir duas questões: o que sou “eu” e o que é o livre-arbítrio.
O que sou eu?
Vamos começar pelo quem sou “eu” – o “idivíduo”.
A palavra vem do latim “individuus”, formada por in + dividuus – e significa indivísivel.
E este é o início do problema. Nosso cérebro tem 2 hemisférios que trabalham, normalmente, de forma coordenada para formar o “eu”. E o cérebro, até onde sabemos, é o que coordena nossas memórias, pensamentos, ideias e desejos.
Existem pesquisas do Roger Sperry sobre o “cérebro dividido”, que renderam a ele o nobel em medicina em 1981 que comprovam que o indivíduo na verdade é divisível – ao separar os hemisférios do cérebro (isso era um tramaneto para epilepsia, para evitar convulsões) o “indivíduo” poderia ter ações e vontades diferentes, dependendo de qual hemisfério está respondendo.
Em um destes estudos questionaram um adolescente sobre o que ele gostaria de fazer quando adulto e ele respondeu, verbalmente, que gostaria de ser desenhista. A fala e o raciocínio lógico são desempenhados em maior parte pelo hemisfério esquerdo do cérebro, que estava no comando nesta resposta.
Os pesquisadores queriam uma resposta do outro hemisfério cerebral, então espalharam letras na mesa e escreveram e um papel “o que você gostaria de fazer quando adulto?” e deixaram este papel visível apenas no campo visual esquerdo do jovem (que é controlado pelo hemisfério direito) – o hemisfério direito não tem controle vocal, então o adolescente não falou nada, mas usou a mão esquerda para “soletrar” com as letras da mesa e escrever “corrida de carros”.
Há outros relatos de experimentos com resultados impressionantes citados em Homo Deus – você pode pesquisar por “split brain experiment” que encontrará alguns interessantes.
Já temos o primeiro ponto esclarecido para continuar, com o que sabemos hoje podemos assumir que existem 2 “eus” atuando em conjunto e de forma coordenada para controlar nosso corpo, ideias e lembranças.
O que é o livre-arbítrio?
Para afirmar sua inexistência é necessário estabelecer também o que é o livre arbítrio.
Se eu for pelo dicionário, começando pelo significado de arbítrio
Resolução, determinação dependente apenas da vontade.
Poder, faculdade de decidir, de escolher, de determinar, dependente apenas da vontade; livre-arbítrio.
Podemos assumir que quando “eu” escolho, sem que haja condicionamento, estou realmente praticando o livr arbítrio. E entramos na complexa questão do que é ou não condicionamento.
Alguns anos atrás eu fiz um curso de “neuromarketing” (acho o termo buzzword, no fundo é “só” marketing) e vi várias pesquisas e estudos do quanto anúncios impactam nosso cérebro e induzem nossas compras.
Num dos estudos um grupo de pessoas eram impactadas por um anúncio antes de entrar numa loja, outro não. As impactadas compravam muito mais a marca anunciada do que o grupo não impactado – mas a maioria afirmava ter não estar sendo influenciada pela propaganda.
Existem outras pesquisas (também apresentadas no Homo Deus) de testes com ratos de laboratório que são controlados por controle remoto. O funcionamento deste “controle” é através de estímulos elétricos em partes específicas do cérebro – com isso os pesquisadores conseguiam induzir o rato a ir para a esquerda ou direita. O estímulo nada mais faz do que induzir uma súbita “vontade” do rato ir para a esquerda ou direita. Se separássemos os ratos em 2 grupos, A (recebendo estímulos cerebrais) e B (sem estímulos cerebrais) e 90% do grupo A escolhesse ir pra esquerda, provavelmente eles também diriam que foram para a esquerda porque queriam e que não foram influenciados a isso, tal qual nossos livres consumidores indo as compras.
Quantas propagandas você viu hoje? Quantos tweets com ideias de outros estão martelando em algum dos hemisférios desta tua cabecinha?
Eu realmente escolhi limpar as janelas (que, reforço, funcionam perfeitamente mesmo sujas e meu “eu” racional jamais optaria por uma limpeza dessas) e também o fogão ou foi o julgamento da minha parceira que causou liberação de determinados químicos pelo meu corpo, que acabou culminando em estímulos elétricos em alguma parte específica do meu cérebro fazendo com que numa bela manhã eu acordasse pensando “ta aí, vou fazer umas limpezas que vejo muito pouco sentido que sejam feitas!“?
E se eu realmente escolhi, qual eu tomou esta decisão? O “eu” do hemisfério esquerdo ou “eu” do hemisfério direito?
Tantas perguntas, tão pouco hemisfério cerebral pra responder.
E você? Realmente escolheu chegar até este blog e ler este artigo até aqui, ou uma série de fatores te condicionaram a isso?
E pensando agora em Dark, será que essa é a primeira vez que você tá lendo este texto?
Segunda cedo peguei a motoneta e rodei 900 e alguns kilometros pra ver meu amigo Mitrut lá em Cascavel.
Na terça segui pra Foz do Iguaçu e fui pro Paraguai olhar umas coisinhas. Tem várias coisinhas no Paraguai.
Na quarta resolvi que eu ia pra terrinha, lá no RS, pela Argentina que seria mais curto que fazer o percurso pelo Brasil e teria o bônus de passar por um país que não conheço.
Era quase meio dia quando fomos eu e minha motoneta rumo a Argentina. Sabia que teria que tirar a “carta verde”, um seguro obrigatório pra rodar nos países do Mercosul. Foram 80 reais, fiz logo antes da aduana brasileira. Oitenta pilhas mas tudo bem, conhecer a Argentina né, almoçar um churrasco e quem sabe até comprar uns vinhos. Paguei e segui viagem.
Cruzei a fronteira pela ponte, e me deparei com o maior engarrafamento logo depois. Uma imensidão de carros. Levou quase duas horas pra chegar perto da aduana Argentina.
A moto super-aqueceu pois deixei ela ligada e parada na fila – quando desliguei ela só sinalizava o super-aquecimento no painel e não ligava mais.
Fui empurrando ela na esperança de que até chegar minha vez ela resfriasse. Ela só voltou a marcar a temperatura no display quando chegou a 50 graus, e isso foi uns 10 minutos depois que desliguei.
Mas quem liga, vamos conhecer a Argentina né.
Chegou minha vez, depois de suar muito no sol com minhas armaduras de motoqueiro e empurrando a motoneta, lá estava eu falando Hola que tal com interrogação antes e depois da frase.
E vocês sabiam que CNH não é RG e sem RG ou passaporte não se entra na Argentina?