Transação não autorizada

A vida de pesquisador de campo não é nada mole.

Em uma pesquisa fui realizar uma compra em uma dessas lojas chiquérrimas do Itaim, bairo (es)nobre de São Paulo. Bairro de SUV e de gente que tem motorista e segurança sempre por perto, sabe como é?

Meu objetivo neste cenário curioso era relativamente fácil: em um ambiente real de classe média alta, fazer uma compra e ter o pagamento não autorizado.

Garanti que o valor dos produtos fossem umas cinco vezes superior ao pouco saldo disponível na minha conta. Limite eu não tenho nenhum pois proibi o banco de liberar cheque especial. Este não era o primeiro teste e por isso eu estava bem confortável com a situação.

O “setup” da pesquisa estava feito e o ambiente pronto: selecionei os produtos (com preços extravagantes) e falei pro vendedor que iria levar. Ele ficou feliz pela comissão, todo mundo estava alegre, agora era só eu pagar. No caixa saquei o cartão de débito (isso aí, nada de crédito), digitei a senha e…

TRANSAÇÃO APROVADA.

Até aquele momento esta mensagem sempre foi motivo de felicidade, motivo daquele alívio contido.

Não hoje, não desta vez. Um cliente havia transferido dinheiro para minha conta três minutos antes de eu realizar este último teste.

Mas o mais importante: o que vou fazer com esta caralha deste lustre?

53 reais

Aquele role maroto perto da rodoviária de BH, pq se tu quer conhecer de verdade uma cidade tem que ter um role rodoviária.

Eu e a Bia caminhando de mãos dadas numa rua super movimentada, 9 da manhã, tudo tranquilo.

Numa sinaleira, cheia de pedestres, um rapaz nos aborda depois de ser ignorado por dois transeuntes:

– bom dia, eu sou engraxate, to morando na rua, umas moedas pra ajudar…
– não tenho nada não
– vocês são brasileiros?
– sim
Respondemos juntos e quase rindo.
– sério???
– Hahaha, sim
– de onde?
– são Paulo
– já andei por lá, mas não conheço muito não
– sua esposa é linda
– …
– vocês não parecem brasileiros não
– Hahaha
Se virou pra bia e continuou:
– você tem cara de gringa, sério mesmo. eu não achei que você era brasileira…. Se eu ganhasse cinqüenta e três reais na mega senna e pudesse escolher ficar com ela, ihhh, pode levar o dinheiro todo, quero é ser feliz

deus não existe e isso não deveria te ofender

Desde muito novo sempre questionei a existência de deus . No meu caso, o deus cristão pois foi esta a religião com a qual convivi por conta da minha família e educação. E quando escrevo que “questionei” quero dizer que sempre duvidei fortemente da existência de uma “força superior” que tudo sabe, tudo vê e tudo pode controlar.

Mas foi somente na adolescência que finalmente entendi que eu poderia simplesmente não ter uma religião e que eu não precisava seguir nenhuma crença que não fizesse sentido para mim e que eu não seria punido por isso .

Foi libertador pois mesmo questionando a existência de deus, existia um conflito e medo de algum tipo de punição infernal na vida ou após a vida.Nesta situação a aposta de Pascal fazia sentido, um exemplo de como é tenebroso o poder e doutrinação religiosa, pois eu frequentava igreja (por livre e expontânea obrigação da minha mãe) e escola católica — e minha mãe ouvia muito padre marcelo rossi, acho que isso já é o próprio inferno.

Neste processo de “descobrimento” da minha não-religiosidade — já ouvi coisas como:

“mas não precisa ficar falando que não acredita em deus ou que deus não existe, isso pode ofender as pessoas”

Perdoem o francês, mas em primeiro lugar foda-se se eu não compartilhar sua crença de que existe um tipo de super-herói onipresente ofende a sua própria crença neste ser.

Eu também acho algumas coisas ofensivas.

Por exemplo, acho um insulto a inteligência um monte de argumentos e hipóteses religiosas sobre diversos assuntos, mesmo assim não tomo estes como uma ofensa pessoal — só não desejo que este tipo de informação não científica sejam transmitido para pessoas não interessadas ou que ainda não tenham capacidade cognitiva para distinguir o que é crível cientificamente do que não é (escolas, política, etc.).

Nunca entrei em uma porta de igreja/templo/terreiro disposto a “despregar”, ensinar lógica, ciência e convencer as pessoas de que elas precisam se dedicar as ciências exatas pois só isso purifica a mente e garante a vida cósmica eterna. E (infelizmente) também não sou dono de um canal de televisão e centenas de rádios para apavorar as pessoas de humanas e vender os verdadeiros milagres das ciências exatas (contando com isenção de impostos pois sabemos que ciências exatas são sagradas e estamos aqui para fazer o bem, Pi Tangente, Algoritmo, amém).

Uma ideia não pode ser simplesmente considerada “sagrada” e por ter este status ficar livre de críticas e opiniões diferentes.

Você pode se ofender. Não estou dizendo que você não pode achar blasfêmia e ofensivo eu dizer que deus não existe (não deveria, mas pode).

Mas o que deve ficar claro é que quando eu falo que deus não existe eu não estou atacando você. Estou simplesmente discordando de uma ideia improvável que você expressa sobre a existência de alguma coisa sem me apresentar provas desta existência.

Você pode falar “deus é demais e eu acredito nele como o criador de tudo” e eu posso achar isto bobo e contra a verdadeira crença das Ciências Exatas™.

Ao mesmo tempo, fosso falar “deus não existe enquanto não conseguirem encontrar uma maneira de provar que ele existe” — e você achar que estou blasfemando.

Segue a vida, eu e você podemos conviver com esta divergência de ideias. Mas lembre-se que a fé é somente sua e eu vou lembrar que a descrença é somente minha.

E se deus existisse, tenho certeza que ele não ia ficar ofendido com o meu uso do livre arbítrio e do questionamento da sua própria existência, já que não estou prejudicando ninguém com isso.

Porque você deveria se ofender?

Vá em paz, Pi Tangente, Algoritmo, amém.

Como foi que fiquei rico?

* Este texto foi publicado originalmente dia 9 de outubro de 2012 no meu Posterous — que foi assasinado pelo Twitter, contra minha vontade. Posteriormente foi para o Medium e como estou na campanha para que todos sejam donos do seu próprio conteúdo, achei bom imortalizar ele aqui.

Eu sempre gostei de ganhar dinheiro. Nos últimos anos fiz isso muito bem e tentei fazer de uma forma saudável.

Pergunte para as pessoas próximas qual é o sonho delas e a maioria vai ter respostas envolvendo “dinheiro “. Ficar rico, megasena, não precisar trabalhar e coisas deste tipo. E você é capaz de identificar o que elas tem em comum?

Dinheiro? Não. E as pessoas batalham muito por isso: ser ricas com muito dinheiro. Mas a verdade é que todos estes sonhos estão relacionados a apenas uma coisa: liberdade. Você está buscando a riqueza da forma errada. Ser rico é ser livre para fazer o que você quer e isso, sem dúvida, envolve dinheiro.

As pessoas querem ser ricas ganhando muito dinheiro, mas do meu ponto de vista o caminho mais simples e direto para a riqueza não é ganhar muito dinheiro, é não precisar de muito dinheiro. Claro que se o seu sonho envolve iates, cassinos, carros importados e ter o último iPhone na semana de lançamento você vai penar muito mais do que eu para ser rico — e conhecendo um pouco a cabeça das pessoas, ouso deixar escrito que quem tem esta visão de riqueza nunca será rica o suficiente.

Eu venho treinando a minha vida inteira “para ser rico”, e olhando pra trás, sempre fui. Sempre trabalhei com o que gosto, mas este ano é diferente. Este ano conquistei a liberdade, estou saindo de um emprego gratificante para me aventurar e fazer outras coisas que eu quero: estudar, escrever e principalmente cuidar do Eu Compraria! e do And After.

Fiquei rico abdicando da minha maior fonte de renda.

Memória fraca

Existem situações da vida que me fazem desejar ter um um cérebro que funcione muito bem. Não que eu não pense, bem pelo contrário. Tenho orgulho de meu raciocínio lógico e capacidade para aprender (esnobe, ein?). Mas quando se trata de lembrar fatos acontecidos, nomes de ruas ou pessoas e faces eu sou um completo incapacitado. Imaginem a situação…
Mais uma tarde normal de um dia normal, você cambaleava pelo vagão esmagado entre axilas fedorentas, buscando uma barra de ferro para ficar apoiado. Encontra e lá se estabelece, faz o seu recanto. Doce recanto de vagão, só quem anda sabe o que isto significa. Aquele espaço que não importa quem está fedendo do seu lado, tentando te comer de roupa mesmo ou simplesmente robando sua carteira, o tempo ali não anda. E não anda mesmo, porque aquela travessia te atormenta diariamente abaixo do asfalto cinza e quente da cidade grande. Saindo da estação com a cabeça já ligada no mundo, você caminha rápido, por costume mesmo. Uma mulher se aproxima:

– Quanto tempo! – e parte para o abraço.
– Oi… – apavorado.

Você tá ali, frente aquela desconhecida que sabe seu nome. “Golpe”, pode ser seu primeiro pensamento, mas a sinceridade está estampada no rosto da mulher, não pode ser.

– E aí, como tem passado?

Agora você tem duas opções: ou você fala que não lembra dela, exigindo uma ajuda para recordar ou você liga o ventilador para provavelmente, muito em breve atirar a merda. É claro que você, bom brasileiro e ser humano, gosta de merda e escolhe seguir a conversa.

– Vou muito bem, e você?
– Bem também… continua na empresa?
– Continuo.. e você o que está fazendo?

Já é alguma coisa, você provavelmente conhece ela da empresa. Márcia, não. Marta, não. Acho que era com M, não. A Marinês já havia falecido, logo depois de se aposentar. Quem é? Qual será o nome?

– Continuo na mesma – ótimo, como se você soubesse o que é a mesma.

Você, mesmo sem querer, faz aquela cara “que porra é essa, mermão?” e ela percebe. Agora vai complicar, se o indivíduo for um canalha ele vai te perguntar coisas, pela pura arte da sacanagem. Diversão do ser humano é foda: ver os outros na merda.

– Não tá lembrando de mim não, né?
– Lembro sim.. e aí, tem falado com o pessoal?

Isso, começou a atirar merda no ventilador. Perguntar do pessoal é infalível, todo mundo tem um pessoal. Agora é só pescar um nomes.

– Não.. ninguém!
– Ninguém mesmo? Nem o… o…
– O Marcos?
– Isso! O Marcos

Você é esperto, se faz de bobo e consegue um nome. Busca em sua memória, e o único Marcos que você conhece é budista e mora no Ziniguistão.

– Não.. desde o acidente que não falo com ele!

Agora complicou mesmo, fica cada vez mais complicado de jogar verde e o assunto toma um rumo: a desgraça e humilhação da sua pessoa. Se complicar mais um pouco, a única saída seria simular um ataque fulminante para sair do diálogo com a honra intacta, de maca. Mas você prefere continuar o diálogo.

– Que triste foi, não é?
– É.. mas você se recuperou bem! Que bom!
– A vida continua…
– É verdade.
– Bom, tenho que ir

Quase lá, vai sair intacto deste papinho mermão! Continua assim que se você tiver sorte, é a última vez que se cruzam por ali. Continua vasculhando em sua memória, Marcos, Marcos.. e nada.

– Então tá!
– Até mais, foi um prazer te ver!
– Digo o mesmo Otávio!

Otávio? Porra, não é teu nome.