Nunca me arrependi de pedir demais

Estou negociando a compra de um terreno para um pequeno empreendimento imobiliário e, nas últimas semanas, foi só com este assunto que meu cérebro aceitou gastar tempo e energia.

Esta última semana me fez refletir que as melhores negociações que eu já fiz foram as que eu menos me importava com a conclusão positiva do acordo. Essa postura nos faz recusar qualquer proposta que não seja excepcional.

A melhor entrevista de emprego que eu já fiz foi do emprego que eu não queria. O sítio que eu comprei foi quase sem querer.

Mas desta vez eu queria que desse certo pois já tinha investido um mês em pesquisa, comparativos com outros imóveis e uma semana bastante intensa para verificar viabilidade de crédito – horas de áudios e mensagens no whatsapp com vendedores em busca do plano ideal para conseguir dinheiro mais barato do mercado.

Para “comprar dinheiro”, sem falsa modéstia, minha negociação foi boa. Não tinha receio nenhum de perder uma “boa compra” pois o dinheiro na porta ao lado vale a mesma coisa, e se custar um centavo a menos, é lá que eu vou.

Mas o terreno é um só. E com medo de pedir demais, fiz uma proposta apenas 10% abaixo do valor pedido inicialmente. O receio era pedir demais e fechar a porta para uma negociação.

Mas tenho quase certeza que uma proposta, mesmo que ridícula, se feita com educação não fecha uma porta – e começa uma conversa.

Em negociação eu nunca me arrependi de pedir demais.

É possível trabalhar apenas 4h por dia?

Este texto foi publicado originalmente em 30 de Outubro de 2017 no meu Medium e estou trazendo para cá para preservação do conteúdo.

Acho importante um disclaimer antes de falar sobre um assunto que pode soar pedante, como a possibilidade de reduzir a carga horária de trabalho.

Meu objetivo é trabalhar menos e continuar ganhando a mesma coisa, mas sei que isso é um privilégio e, infelizmente, não é uma possibilidade para a maioria das pessoas. Principalmente em época de crise econômica, política e flexibilização de leis trabalhistas como a que estamos vivendo no nosso circo de “ordem e progresso”.

Não quero soar como mais um texto sobre os “jovens que largaram tudo para fazer o que amam”. Já não sou jovem e nem larguei tudo. Este é um texto sobre produtividade, mas cada um sabe onde o sapato aperta e sabe o que pode ou não fazer. Mas muita gente pode e não sabe que pode.

Isto esclarecido, vamos falar de trabalhar menos.

Autonomia

O primeiro passo para poder trabalhar menos é ter autonomia sobre o seu próprio trabalho. Isto pode ser em um emprego ou, no meu caso, como profissional autônomo. Aqui vou abordar apenas minha experiência como profissional autônomo.

Apesar de dinheiro não ser o foco neste texto, é difícil falar de autonomia sem falar da parte financeira. Para ter autonomia é necessário ter opções, e para ter opções é necessário poder dizer não. Para dizer não, você precisar ter tranquilidade financeira para escolher apenas boas oportunidades.

Para conseguir tranquilidade financeira é necessário que você tenha um relacionamento saudável com o dinheiro — e isso infelizmente é incomum. Por falta de educação financeira ou por relacionamento problemático com o dinheiro, muitas pessoas auto-boicotam sua vida financeira.

Não vou me aprofundar neste assunto mas antes de continuar lendo recomendo que você leia o curto texto “como foi que fiquei rico (não vai levar 2 minutos).

Por que 4 horas?

Há dois meses decidi criar e testar formas para chegar até dezembro deste ano com uma rotina de trabalho de no máximo 5 horas diárias e reduzir para 4 horas no próximo ano.

Com a redução de carga horária eu não pretendo reduzir minha renda mensal e nem as entregas que faço para clientes, então o objetivo é melhorar minha produtividade.

Já testei algumas metodologias e ferramentas de produtividade e organização: scrum solo, kanban, scrum em times, pomodoro, gtd e inbox 0. Fui adaptando o que melhor me servia de cada uma das ferramentas e técnicas. Mas uma constante é que, inconscientemente, uma tarefa provavelmente vai levar todo o tempo disponível para ser feita.

Também aprendi que tenho períodos de euforia altamente produtiva e períodos de ansiedade improdutiva e acredito que a redução de carga horária está me ajudando a ser mais produtivo.

Decidi reduzir minha carga horária para melhorar a qualidade do meu tempo trabalhado e também minha qualidade de vida, pois tenho mais tempo livre para lazer, ócio criativo e estudar.

Lawn at rest, de Jonas Bengtsson

Como eu estava trabalhando

Antes eu tentava manter meu horário de trabalho entre 8:00 e 18:00, com bastante flexibilidade no horário de início e fim. As vezes começava as 7, as vezes a 9. Mas procurava sempre manter 8 horas trabalhadas por dia.

Criando um expediente de 5h de trabalho

Para conseguir reduzir as horas trabalhadas e controlar a culpa que anos de treinamento em escola e trabalhos nos ensinando de que o “jeito correto” é trabalhar 8 horas por dia, decidi criar uma rotina e tentar seguir uma agenda, pelo menos até isso virar um hábito e eu estar confortável com os novos horários.

Criei uma agenda para controlar os horários que não estou trabalhando exatamente para evitar que eu trabalhe. Se você é freelancer, autônomo ou tem seu próprio negócio deve saber que não trabalhar é uma tarefa difícil.

Meu dia ideal nesta nova rotina é assim:

7:00 — Comida, academia, desenhos
Voltei a praticar exercícios regularmente há 8 meses e isso me ajudou a reduzir a insônia. Eu costumava praticar exercícios no fim do dia apenas, experimentei começar o dia com isso depois de ouvir alguns relatos sobre “morning routine” dessas entrevistas e textos de auto-ajuda. Hoje não trocaria o horário, com exercícios matinais fico muito mais disposto durante o dia e começo o dia com a mente mais tranquila do que acordar e dar de cara com um problema na minha inbox de e-mails.

Como bom Hobbit, faço 2 cafés da manhã. Um antes e um depois da academia, no segundo costumo assistir algum desenho animado também, se eu acordei cedo o suficiente.

10:00 — Leitura
Defini 1 hora do dia exclusivamente para leitura e faço isso antes de começar a trabalhar. Aqui vale qualquer conteúdo: blogs, relatórios financeiros, lista dos novos frameworks de JS lançados enquanto eu dormia, bitcoin, tecnologia ou algum livro.

Ao definir 1 hora de leitura percebi que passei a selecionar melhor o que leio, pois fica explícito que meu tempo é limitado. Evito interromper meu dia para leitura depois desse horário, mas não me privo de algum link sensacional que quero ler e surgiu durante o dia.

11:00 — E-mails e organização do kanban
As 11 eu começo a minha primeira hora de trabalho — e utilizo GTD para isso, sou adepto do inbox zero. Respondo todos os meus e-mails, transformo o que é necessário em tarefas para executar depois (utilizo kanban para isso, no Trello) e entrego pequenas tarefas que estão nos e-mails e são rápidas de resolver. Também faço as priorizações e definições de tarefas neste período.

12:00 — Almoço
Depois de organizar as tarefas vou almoçar e normalmente assisto alguma coisa depois do almoço. Estava assistindo séries depois do almoço mas recentemente voltei a assistir um TED por dia, sobre qualquer assunto.

14:00 — Trabalhar
Aqui é onde sinto que o dia começar a ser produtivo. Até as 16:00 eu trabalho nas tarefas que já estão priorizadas e definidas, então é sentar e quebrar a cabeça. Utilizo a técnica Pomodoro (25min trabalhados e intervalo de 5min), se você pratica trabalho intelectual e não conhece a técnica do pomodoro, testá-la é o melhor conselho que eu posso te dar. Teste sem preconceito, mesmo que pareça uma técnica muito boba no início, eu tive este preconceito quando li sobre ela pela primeira vez.

16:00 — Lanches
Descanso, comida e assistir algum vídeo do youtube, TED, seriado ou vídeo de mágica.

16:30 — Trabalhar
Verifico novamente meus e-mails e respondo o que puder ser respondido de forma rápida. Volto a trabalhar até as 18:30 nas tarefas do dia.

18:30 — Cursos
Estou tentando voltar a fazer aulas sobre outras áreas (normalmente no Coursera). Neste ponto estou falhando nas últimas semanas e talvez torná-lo público me ajude a voltar a ter comprometimento com os estudos.

Esta agenda serviu de guia inicial para eu conseguir controlar as horas trabalhadas. Quando comecei a me sentir confortável testei flexibilizações e fui adaptando conforme as necessidades de cada dia.

Nas últimas semanas testei trabalhar até as 20h e fazendo um intervalo maior durante a tarde ou não trabalhando durante a manhã — mas não achei a experiência boa e resolvi voltar novamente para o planejamento inicial.

A adaptação inicial não foi simples. Eu controlava horários para parar e iniciar o trabalho de forma mais rígida e isso parecia cercear minha autonomia, mas achei importante fazer isso para criar os hábitos que queria na minha rotina.

Está funcionando?

Nem sempre consigo ficar dentro das 5 horas trabalhadas e estou ciente que esta programação de horário é apenas um guia.

Se acontece algo em um projeto de cliente e isso vai quebrar minha rotina eu não me sinto culpado por trabalhar mais nestes dias. Também não me importo de aproveitar períodos que estou super produtivo com jornadas de trabalho um pouco maiores, mas ainda estou aprendendo a compensar com dias de mais descanso (e improdutividade) depois deste período.

Tomo cuidado para que estas quebras de rotina não se tornem comuns e isso prejudique meu objetivo principal: ter mais qualidade nos horários que trabalho e mais tempo livre, sem reduzir meus ganhos financeiros.

De maneira geral, consegui reduzir minha carga horário e estou me sentindo bastante produtivo. Acredito que em 2 meses ainda estou em período de adaptação, mas estou sentindo que a qualidade do que estou entregando também está melhor pois estou trabalhando de uma forma mais tranquila.

Sexta-feira, pela primeira vez em muito tempo eu conseguir zerar todas as minhas pendências de entrega e esta sensação é extremamente boa. Encerrar um dia de trabalho sem nenhuma pendência é libertador pra mente e para o ócio criativo e eu estava sentindo muita falta disso.

Estou bastante satisfeito com este experimento e pretendo continuar com ele para chegar nas 4 horas em 2018.

Você já tentou redução de carga horária? O que pensa sobre isso? Compartilhe sua experiência nos comentários! 🙂

Obrigado, gordinho

Das milhares de coisas que passam na minha cabeça numa despedida como essa, a mais recorrente é “obrigado”.

Como disse a Bia hoje, “até o dia está triste”. Céu nublado, chuva e hoje a difícil decisão de deixar você finalmente descansar, depois de tanto lutarmos nestas últimas semanas que foram as mais difíceis que tivemos.

Foi lá em 2014 que o senhor andava permbulando pelos arredores de casa, como quem não quer nada. Cuidando das suas coisas, aproveitando o solzinho mas sempre atento a tudo, com a safadeza cativante que viver na rua te exigia.

Enquanto eu lia no sol tu chegou devagarinho, se aconchegou e deitou, ganhando dengo.

Sábio que sempre foi, neste encontro foi só isso. Ronronou, aproveitou o dengo e saiu no momento certo pra não deixar impressão de que era um grande folgado.

Logo apareceu de novo, e de novo, e a gente já imaginava: acho que agora temos um gato.

Mas foi só quando você entrou em casa, subiu no nosso sofá e se esparramou super a vontade que a ficha caiu: “ih, agora temos um gato mesmo!”.

Foi rápido, uns 2 meses de encontros e você já virou dono dessa casa.

O que precisa comprar?

Como é que funciona caixa de areia? Meu deus, quantos tipos de areias existem?

O que come? Quanto de água? Será que é vacinado? Será que é macho mesmo?

Um verdadeiro professor, que chegou ensinando e partiu ensinando.

Ensinou a ter paciência, a entender tuas comunicações seja por miados, pelo rabinho de gancho balançando ou pela cara (de desdém).

Ensinou que a hora do dengo importa e que um colinho faz toda a diferença num dia ruim.

Me ensinou a querer menos, ensinamento que de tempos em tempos a vida exige que seja relembrado.

Com a senioridade chegando, ensinou também a ter paciência, a adaptar a casa para você. Uma escadinha, um banquinho, uma prateleira pra ficar mais fácil subir na janela. Uma ração de milionário pra evitar que o problema nos rins se agrave.

Mas você também foi aluno, dizem que nada na vida é de graça e você pagou um preço por tanto amor recebido: teve que aguentar o Leon, que chegou uns anos depois e te apurrinhou até a senioridade.

Eu sei que ele não te dava um dia de paz, mas sei que você ao longo destes anos de convivência também sentiu aí no seu carinho felino, um “leonzinho, obrigado.”

Deu banho, cuidou, aceitou e conviveu cheio de dengos com ele.

Agora o mais doloroso dos ensinamentos que você deixou e que enquanto escrevo este texto com os olhos mareados ainda parece ser muito injusto e no tempo errado, é sobre a finitude da vida.

Em cada canto dessa casa que eu já te vi, instintivamente te procuro e dói saber que nunca mais vou te encontrar.

Que falta vai fazer ter que pedir licença todo dia para ver TV, pois compartilhamos o mesmo lugar preferido no sofá (bem na frente do ventilador e deitados escorados na almofada), de poder te pegar no colo vendo um desenho qualquer ou ouvindo música.

Não te ver no meu travesseiro e saber que quando eu começo a arrumar a cama para deitar, você vai se adiantar e correr pra deitar abraçado com Bia – e quando ouvir o beep do ar condicionado ou do ventilador, vai responder com um meow curtinho (nunca soube se em protesto ou comemoração).

Você encheu até os meus dias mais terríveis de carinho e amor.

Obrigado, Pacatinho.

Resistência

Pra ler ouvindo: ain’t no rest for the wicked

Sempre falo que o despertador peão é inexorável, incansável, obstinado e, com certa frequência, insuportável.

Peão nenhum resiste: quando é a hora de acordar, é a hora de acordar. Pode ser horrível ser um escravo da vontade de estar ativo e hoje não foi diferente. Apesar de exausto das conturbadas últimas semanas do ano, exatamente às 7 horas abro o olho e o cérebro desperta como se tivesse acabado de receber uma descarga de adrenalina: que coisas eu tenho que resolver hoje?, é o primeiro pensamento que surge, seguido da lembrança que hoje é dia de não fazer nada. Finalmente.

Um comichão se espalha pela pele: como assim, não fazer nada? Lembro que tenho um problema de vazamento no telhado que está improvisado mas ainda precisa de uma solução definitiva. Em um corajoso ato de resistência a produtividade, decido que isso pode esperar mais um ou dois dias.

Fecho o olho e fico deitado prestando atenção na inquietude da minha cabeça, já querendo fazer um café e, no mínimo, ir jogar um joguinho planilhável (onde a alta produtividade/performance é o objetivo).

Sabendo que a noite exigiria estar acordado para celebrar a virada de ano, sigo com meu bravo ato de resistência. Fecho os olhos e fico rolando na cama, atormentado pela improdutividade. Minha mão encontra o gato deitado na cama, ronronando, e fico acariciando ele até eu conseguir pegar no sono novamente.

Acordei outra vez acelerado – comemorei silenciosamente que consegui dormir mais, esperando já ser tarde. Peguei o celular e lutando contra o brilho da tela vejo que ainda são 8 horas. Protesto em silêncio contra mim mesmo e num esforço consciente faço o impensável: nada. Não me movo, não levanto, não fico olhando o celular.

Decido prosseguir em um combate onde a vitória é impossível: “eu vou deita o despertador peão”, penso imóvel e de olhos fechados.

Afundo a cabeça debaixo do travesseiro buscando a escuridão completa, vou tateando procuro o gato que segue dormindo ao meu lado e que começa a ronronar quando encosto nele. Talvez seja este o meu caminho para o descanso, uma atividade prazerosamente improdutiva como acariciar o gato.

Deitado e na lutapara não virar um brasileirinho, segurando meu ímpeto de fazer algo produtivo, luto contra as ideias que vão surgindo, que vão de varrer a calçada a lavar louça, ariar panela. Segui aguerrido mantendo os olhos fechados. Descansar, descansar, descansar, eu repetia mentalmente, como um mantra.

Adormeci. Não posso dar certeza, mas provavelmente sonhei com a vitória do peão sobre o ímpeto produtivo.

Acordei (pela última vez este ano, turupish) e já era mais de 9 horas. “Venci!”, pensei sonolento. Sonolento? O que tá acontecendo? Eu descansei mais, eu deveria no mínimo estar com o ânimo de quando acordei antes.

Acordei completamente lesado. O cérebro percebendo tudo com atraso, com dificuldade pra compreender o mundo – comparável a jetlag ou a um comprimido de melatonina que bateu errado.

Cansado demais para fazer qualquer coisa, incapaz inclusive de descansar. Pelo menos 3 horas em um estado de dormência, mas acordado. Um zumbi, perambulando pela casa, e só tem uma coisa que é possível fazer neste estado: doomscrolling no youtube.

O despertador peão é inexorável, quando é hora de levantar, é hora de levantar.

Você usa alguma coisa?

Fui pagar o almoço e pedi um expresso. A moça me entregou o café, olhou lá na minha alma e perguntou:

– Você usa alguma coisa?

– … normalmente só álcool, mas o que tu tem aí? – respondi meio espantado com a pergunta

– Açúcar ou adoçante, senhor?

Gregor Samsa brazuca

Metamorphosis (arte da HQ de Peter Kuper)

Eles haviam ido pro mato no fim de semana e plantado 7 árvores e cuidado de outras já plantadas no sítio. O sábado foi de trabalho e o domingo, como deveria, foi de preguiça e curtir a casa: assistiu Globo Rural, uns outros programas de TV, cuidou do jardim, tomou chimarrão e foi almoçar na casa dos sogros com a esposa.

Chegando em casa no fim da tarde começou a sentir uma transformação acontecendo.

Parecia eletrizante, uma energia estranha para um domingo. Pensou que fosse só o excesso de cafeína do mate agindo – mas rapidamente se transformou em uma vontade incontrolável, um ímpeto que foi tomando conta da sua mente e rapidamente parecia estar controlando também o seu corpo.

Não foi direto para o computador jogar ou verificar as atividades de trabalho para a próxima semana e nem se atirou no sofá ver TV, muito menos foi aproveitar o resto do domingo com a esposa que queria assistir os jogos da NFL.

Na verdade não chegou nem a entrar em casa direito. Tentou racionalizar mas não conseguiu entender o motivo daquilo que nunca foi coisa relevante para sua vida agora estar lhe incomodando tanto.

Parecia que ele tinha que aproveitar o domingo para fazer aquilo, como se fosse o último dia do mundo para eliminar aquele “problema”.

Entrou em casa apenas para pegar o material necessário e voltou para a rua, de onde observou o problema mais uma vez antes de começar a agir. Chegou a sorrir com a ideia de terminar aquilo.

Naquele momento sentiu que estava assistindo um filme da sua vida estreiado por outro ator, numa atmosfera meio Adam Sandler de sandálias. Se sentia um mero espectador do que estava ocorrendo.

Estava envergonhado mas não conseguia parar, seguiu até o final. Terminou com um misto de orgulho e vergonha.

Só retomou completamente a consciência quando finalmente havia terminado. Soltou a mangueira, as mãos ainda estavam ensaboadas, a havaiana molhada escorregando do seu pé.

Aconteceu muito mais rápido do que uma mudança de personalidade normalmente ocorreria. Em uma excêntrica metamorfose Gregor Samsa, sem perceber, se tornou o homem que lava o carro no final de semana – tal qual um brasileirinho.

Mas esse não é aquele lá, é?

Tem uma quitanda de uma família oriental aqui no bairo. Atenciosos, produtos frescos. Boa para fazer compras, apesar de um pouco mais caro que mercado grande (além de fortalecer o comércio dos irmão).

Eu ia toda a semana lá comprar legumes e ovos pois minha academia era quase ao lado. Uma época que ia com a Bia, pois estávamos treinando no mesmo horário.

Quando troquei de academia, parei de comprar lá com tanta frequência. Isso tudo faz uns 3 anos.

A Bia ainda treinava lá perto e continuou indo mais regularmente e a senhorinha que sempre me atendia já tinha perguntado pra ela sobre eu não aparecer mais lá – Bia explicou da troca de academia.

Hoje eu e Bia fomos comprar legumes e a senhorinha estava lá – já não a via a mais de ano, todas as últimas vezes que fui na quitanda era o marido que estava trabalhando.

Fizemos nossas compras e fui para o caixa enquanto a Bia ainda escolhia o último legume. Comecei a passar e pesar os produtos com a senhora e quando a Bia chegou foi prontamente reconhecida.

A senhora olhou pra mim, olhou pra Bia, e na maior curiosidade e intrometimento na vida alheia, sem nenhum pudor, se virou pra Bia e perguntou:

– Mas esse não é aquele lá, é? – e voltou se virar pra mim.

– Sou sim. Bom, eu espero que seja.

Velha cagueta!

foto meramente ilustrativa
da Chiyo Miyako (RIP)

Jogos planilháveis are my passion

Depois da saga do com o Railroad Tycoon de tentar finalizar todas a campanhas ganhando a medalha de ouro em todas as telas (saga ainda não finalizada), comecei outra também no ramo das ferrovias digitais: Railway Empire (adquirido quando estava gratuito na Epic Games) – outro jogo na categoria tycoon – jogos planilháveis, os melhores jogos.

Por enquanto joguei apenas as duas primeiras telas da campanha, mas senti que Railway Empire adiciona bastante complexidade se comparado com o clássico Railroad Tycoon – série em 1990 na consagrada Microprose e teve participação de gente com trabalho incrível na categoria “jogos planilháveis”, Civilization é um exemplo.

O Railway também tem mais micro-gerenciamento: você precisa planejar as rotas de maneira que não tenha congestionamento nos trens – o que achei um pouco complexo no início e comecei a adorar em meu último jogo.

Você também tem que cuidar da parte de contratação de equipe – algo opcional, mas que permite bastante otimização de resultados financeiros nas linhas dos trens que você otimizar a equipe.

Você também pode contratar pessoas para cargos na empresa para conseguir alguns bônus (engenheiros, contadores, etc) e sabotadores. Esta parte foge um pouco do estilo tycoon clássico e achei dispensável – adiciona um pouco do RTS e sensação de ter inimigos e não competidores no jogo.

Como está lá e meu objetivo é fechar tudo com score máximo, vamos usar.

O Railroad tem um sistema de “medalhas” para mensurar sua performance em cada tela do jogo, com objetivos necessário para passar em cada uma das 3 medalhas.

O Railway mede sua performance com uma pontuação de 0 a 30 no final do jogo, tem missões opcionais ( necessárias apenas para chegar a 30 pontos).

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O jogo também tem o mercado financeiro e a possibilidade de comprar e vender ações de concorrentes (mas, até onde vi, não da sua própria empresa e nem a possibilidade de criar novas empresas, pelo menos no modo campanha).

Existe também um mercado financeiro de commodities – que ainda não entendi muito bem o funcionamento, nem se é possível manipulá-los de alguma maneira e se é afetado pelas minhas decisões (rotas e conexões feitas no mapa e economia do jogo).

Uma diferença para os jogos da série Railroad é a impossibilidade de utilizar os trilhos dos concorrentes pagando uma taxa por isso – essa impossibilidade cria algumas bizarrices no jogo, como construção de duas estações de trem (sua e do concorrente) lado a lado na mesma cidade, e trilhos seguindo lado a lado para os mesmos destinos.

A construção de trilhos, que achei um pouco entediante no início, passei a achar muito divertida – como criar rotas rápidas que não causem tráfego? Você define o sentido de cada trilho e posiciona os sinais de parada nas intersecções – além da parte de estratégia e economia, é importantíssimo otimizar os trilhos e as rotas mais lucrativas de maneira que seus trens fiquem o menor tempo possível aguardando a liberação dos trilhos.

Tchoo tchoo!

Wanderlust

Foram 7 meses saindo de casa apenas para o extremamente necessário: mercado, farmácia, açougue, comida para os gatos (ainda farei uma análise de dados de geolocalização neste período).

Sábado fui a BH, mas a negócios e bate-volta: quase nem conta! Infelizmente entrei num avião pra parte do processo. Dessa viagem saiu uma reflexão que me fez perceber e assumir algumas coisas.

Ontem sim, a primeira aventura e viagem por lazer neste período: finalmente visitando a família no sul, depois de 7 meses longe.

Desta vez curtindo a estrada (mesmo que de carro). E muito bem acompanhado.

Na pandemia, ainda mais importante evitar ambientes fechados, aglomerações e… buffet.

A #hobbitkjøkken móvel tornou-se ainda mais necessária. E segue com luxo – não foi um Coco Bambu como outrora – graças a maravilhosa @_biab e suas receitas nós comemos muito bem e com praticidade: macarrão com molho vermelho, berinjela, abobrinha, tomate cereja e atum. Um banquete possível de fazer numa única panela (dela tem uma queda por estas receitas denominadas pela estrangeirismo “one pan”).

Almoçamos com uma vista do Paraná e com infraestrutura melhor que muito camping: mesa, pia e água corrente. Paramos no mesmo lugar desta foto.

Mandei foto do almoço pra família, pra informar onde estávamos e como estava a viagem e a resposta de minha mãe: “o espírito cigano prevalece”.

E é isso. Wanderlust – uma palavra tão linda (obrigado Gogol Bordello por e assistente o termo) para um significado tão verdadeiro e presente em minha vida: desejo de viajar.

E eu não poderia ter uma companhia melhor parte estas aventuras, obrigado biábe!

Sou motoqueiro, porra!

Um dos motivos que gosto muito de viajar de moto é o estado de solitude trazido pela estrada, mesmo que esteja com (ou na) garupa.

Eu, a moto, a paisagem e a estrada – é uma longa e deliciosa meditação, ideal para organizar a bagunça que é o cérebro humano em seu estado natural: o de nunca parar.

Este post começou como um tuíte sobre outro assunto. Apaguei e virou um thread sobre viajar, que virou um post sobre moto. Apenas mais um exemplo do cérebro que nunca para.

Ontem fiz pouco mais que 700km viajando de carro, de Belo Horizonte a Sorocaba – um “bate-volta” atípico: fui voando e voltei rodando.

Nestes 600km e 8h ouvi 5 episódios de podcasts sobre variados assuntos, entre eles as eleições nos EUA, slow code/no code, investimentos ESG, a guinada digital da Magalu e ouro.

É raro eu viajar longas distâncias de carro sozinho. Sempre opto por pegar a estrada de moto quando isso é possível. É mais econômica, mais prática e pra mim, muito mais prazerosa.

Nesta viagem de carro não consegui replicar o sentimento de solitude de minhas viagens de moto – não sei se pelo estado de espírito ou pelo meio de locomoção.

Mas perceber isso me fez refletir e escrever sobre o assunto, pois só notei isso hoje, um dia depois da viagem. Quando comecei a organizar estas idéias e transformar em parágrafos o primeiro sentimento foi: aconteceu, eu virei o motoqueiro babaca.

Comecei a pensar sobre os motivos dessa diferença de sentimento entre as viagens de carro e moto – provavelmente como forma de tentar me convencer de que não virei o tiozão motoqueiro insuportável.

Que ironia que esta preocupação levou a escrever sobre viajar de moto – que talvez sejam exatamente o que define o esteriótipo “sou motoqueiro, porra“.

Tentei começar a listar o que traz a boa sensação e estar na estrada de moto, são vários fatores e tentarei abordar alguns.

Apreciar a paisagem, sem dúvida, me ajuda no sentimento de solitude, de sentir pequeno neste mundo gigantesco, de perceber que talvez meus “gigantescos” problemas pessoais sejam insignificantes neste universo.

Sentir-se insignificante é libertador.

Estar na estrada e poder admirar a paisagem me ajuda a ver entropia: tudo é desorganização e desordem, mas quase sempre funciona.

Infelizmente boa parte da viagem de ontem foi noturna – de moto sempre que possível evito rodar a noite, de carro não ligo de dirigir a noite.

No carro a paisagem, mesmo durante o dia, não é a mesma. No carro sou um espectador através de um limitador, uma tela. A janela uma TV que me afasta da realidade.

Não sinto o ambiente, os cheiros da estrada e do mato, o sol queimando ou a chuva gelada, o vento na cara. Cada vez mais o motoqueiro babaca emerge nestas palavras, eu sei que você tá me julgando.

Viajei algumas horas com o som desligado para pensar na vida (já viajei de moto ouvindo música, e é uma delícia também) mas também em nenhum momento consegui manter a total concentração que tenho na meditação ou na moto.

Viajar de moto exige muito mais concentração do que o carro. O risco é maior, talvez por isso.

Será que o que descrevo como solitude é só adrenalina? Serei eu um “junkie” por adrenalina? Pior ainda do que ser o motoqueiro chato, pois a chance de Darwin Awards aumenta.

A concentração é verdadeira. O prazer da solitude também vem da concentração, por isso sempre comparo uma viagem de moto com uma longa meditação.

E concentração me ajuda a lidar com ansiedade. A moto exige que meu cérebro se foque no agora e não nos “e se” do futuro.

Preciso estar com o olho na estrada, entrar na curva de maneira correta, estar pronto agora se o veículo da frente fizer alguma loucura. Tudo isso é sempre no agora.

A moto também permite que eu pare com facilidade em qualquer lugar. Gostei da paisagem? Encosto, me estico, dou uma respirada, olho ao redor.

Estar de moto na estrada também atiça a curiosidade de outros aventureiros. É parar para tomar um café ou almoçar e alguém vem puxar papo. Pra onde vai? De onde vem? Já troquei ideia com todo o tipo de maluco na estrada, recomendo.

Cheguei até aqui, você também. Tentei encontrar uma conclusão decente para este texto, que inicialmente se chamava “A meditação de 10h”.

Salvei como rascunho. Reli algumas vezes.

Olhei 15 minutos para o cursor de texto pisando no que seria o último parágrafo, procurando alguma ideia genial para tentar encerrar esta exaltação a um meio de transporte que coloca o piloto em risco, e acho que só existe uma saída honrosa num momento desses. Alterei o título e é hora de sair do armário.

Sou motoqueiro, porra.