Sou motoqueiro, porra!


Um dos motivos que gosto muito de viajar de moto é o estado de solitude trazido pela estrada, mesmo que esteja com (ou na) garupa.

Eu, a moto, a paisagem e a estrada – é uma longa e deliciosa meditação, ideal para organizar a bagunça que é o cérebro humano em seu estado natural: o de nunca parar.

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Este post começou como um tuíte sobre outro assunto. Apaguei e virou um thread sobre viajar, que virou um post sobre moto. Apenas mais um exemplo do cérebro que nunca para.

Ontem fiz pouco mais que 700km viajando de carro, de Belo Horizonte a Sorocaba – um “bate-volta” atípico: fui voando e voltei rodando.

Nestes 600km e 8h ouvi 5 episódios de podcasts sobre variados assuntos, entre eles as eleições nos EUA, slow code/no code, investimentos ESG, a guinada digital da Magalu e ouro.

É raro eu viajar longas distâncias de carro sozinho. Sempre opto por pegar a estrada de moto quando isso é possível. É mais econômica, mais prática e pra mim, muito mais prazerosa.

Nesta viagem de carro não consegui replicar o sentimento de solitude de minhas viagens de moto – não sei se pelo estado de espírito ou pelo meio de locomoção.

Mas perceber isso me fez refletir e escrever sobre o assunto, pois só notei isso hoje, um dia depois da viagem. Quando comecei a organizar estas idéias e transformar em parágrafos o primeiro sentimento foi: aconteceu, eu virei o motoqueiro babaca.

Comecei a pensar sobre os motivos dessa diferença de sentimento entre as viagens de carro e moto – provavelmente como forma de tentar me convencer de que não virei o tiozão motoqueiro insuportável.

Que ironia que esta preocupação levou a escrever sobre viajar de moto – que talvez sejam exatamente o que define o esteriótipo “sou motoqueiro, porra“.

Tentei começar a listar o que traz a boa sensação e estar na estrada de moto, são vários fatores e tentarei abordar alguns.

Apreciar a paisagem, sem dúvida, me ajuda no sentimento de solitude, de sentir pequeno neste mundo gigantesco, de perceber que talvez meus “gigantescos” problemas pessoais sejam insignificantes neste universo.

Sentir-se insignificante é libertador.

Estar na estrada e poder admirar a paisagem me ajuda a ver entropia: tudo é desorganização e desordem, mas quase sempre funciona.

Infelizmente boa parte da viagem de ontem foi noturna – de moto sempre que possível evito rodar a noite, de carro não ligo de dirigir a noite.

No carro a paisagem, mesmo durante o dia, não é a mesma. No carro sou um espectador através de um limitador, uma tela. A janela uma TV que me afasta da realidade.

Não sinto o ambiente, os cheiros da estrada e do mato, o sol queimando ou a chuva gelada, o vento na cara. Cada vez mais o motoqueiro babaca emerge nestas palavras, eu sei que você tá me julgando.

Viajei algumas horas com o som desligado para pensar na vida (já viajei de moto ouvindo música, e é uma delícia também) mas também em nenhum momento consegui manter a total concentração que tenho na meditação ou na moto.

Viajar de moto exige muito mais concentração do que o carro. O risco é maior, talvez por isso.

Será que o que descrevo como solitude é só adrenalina? Serei eu um “junkie” por adrenalina? Pior ainda do que ser o motoqueiro chato, pois a chance de Darwin Awards aumenta.

A concentração é verdadeira. O prazer da solitude também vem da concentração, por isso sempre comparo uma viagem de moto com uma longa meditação.

E concentração me ajuda a lidar com ansiedade. A moto exige que meu cérebro se foque no agora e não nos “e se” do futuro.

Preciso estar com o olho na estrada, entrar na curva de maneira correta, estar pronto agora se o veículo da frente fizer alguma loucura. Tudo isso é sempre no agora.

A moto também permite que eu pare com facilidade em qualquer lugar. Gostei da paisagem? Encosto, me estico, dou uma respirada, olho ao redor.

Estar de moto na estrada também atiça a curiosidade de outros aventureiros. É parar para tomar um café ou almoçar e alguém vem puxar papo. Pra onde vai? De onde vem? Já troquei ideia com todo o tipo de maluco na estrada, recomendo.

Cheguei até aqui, você também. Tentei encontrar uma conclusão decente para este texto, que inicialmente se chamava “A meditação de 10h”.

Salvei como rascunho. Reli algumas vezes.

Olhei 15 minutos para o cursor de texto pisando no que seria o último parágrafo, procurando alguma ideia genial para tentar encerrar esta exaltação a um meio de transporte que coloca o piloto em risco, e acho que só existe uma saída honrosa num momento desses. Alterei o título e é hora de sair do armário.

Sou motoqueiro, porra.


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