Memória fraca


Existem situações da vida que me fazem desejar ter um um cérebro que funcione muito bem. Não que eu não pense, bem pelo contrário. Tenho orgulho de meu raciocínio lógico e capacidade para aprender (esnobe, ein?). Mas quando se trata de lembrar fatos acontecidos, nomes de ruas ou pessoas e faces eu sou um completo incapacitado. Imaginem a situação…
Mais uma tarde normal de um dia normal, você cambaleava pelo vagão esmagado entre axilas fedorentas, buscando uma barra de ferro para ficar apoiado. Encontra e lá se estabelece, faz o seu recanto. Doce recanto de vagão, só quem anda sabe o que isto significa. Aquele espaço que não importa quem está fedendo do seu lado, tentando te comer de roupa mesmo ou simplesmente robando sua carteira, o tempo ali não anda. E não anda mesmo, porque aquela travessia te atormenta diariamente abaixo do asfalto cinza e quente da cidade grande. Saindo da estação com a cabeça já ligada no mundo, você caminha rápido, por costume mesmo. Uma mulher se aproxima:

– Quanto tempo! – e parte para o abraço.
– Oi… – apavorado.

Você tá ali, frente aquela desconhecida que sabe seu nome. “Golpe”, pode ser seu primeiro pensamento, mas a sinceridade está estampada no rosto da mulher, não pode ser.

– E aí, como tem passado?

Agora você tem duas opções: ou você fala que não lembra dela, exigindo uma ajuda para recordar ou você liga o ventilador para provavelmente, muito em breve atirar a merda. É claro que você, bom brasileiro e ser humano, gosta de merda e escolhe seguir a conversa.

– Vou muito bem, e você?
– Bem também… continua na empresa?
– Continuo.. e você o que está fazendo?

Já é alguma coisa, você provavelmente conhece ela da empresa. Márcia, não. Marta, não. Acho que era com M, não. A Marinês já havia falecido, logo depois de se aposentar. Quem é? Qual será o nome?

– Continuo na mesma – ótimo, como se você soubesse o que é a mesma.

Você, mesmo sem querer, faz aquela cara “que porra é essa, mermão?” e ela percebe. Agora vai complicar, se o indivíduo for um canalha ele vai te perguntar coisas, pela pura arte da sacanagem. Diversão do ser humano é foda: ver os outros na merda.

– Não tá lembrando de mim não, né?
– Lembro sim.. e aí, tem falado com o pessoal?

Isso, começou a atirar merda no ventilador. Perguntar do pessoal é infalível, todo mundo tem um pessoal. Agora é só pescar um nomes.

– Não.. ninguém!
– Ninguém mesmo? Nem o… o…
– O Marcos?
– Isso! O Marcos

Você é esperto, se faz de bobo e consegue um nome. Busca em sua memória, e o único Marcos que você conhece é budista e mora no Ziniguistão.

– Não.. desde o acidente que não falo com ele!

Agora complicou mesmo, fica cada vez mais complicado de jogar verde e o assunto toma um rumo: a desgraça e humilhação da sua pessoa. Se complicar mais um pouco, a única saída seria simular um ataque fulminante para sair do diálogo com a honra intacta, de maca. Mas você prefere continuar o diálogo.

– Que triste foi, não é?
– É.. mas você se recuperou bem! Que bom!
– A vida continua…
– É verdade.
– Bom, tenho que ir

Quase lá, vai sair intacto deste papinho mermão! Continua assim que se você tiver sorte, é a última vez que se cruzam por ali. Continua vasculhando em sua memória, Marcos, Marcos.. e nada.

– Então tá!
– Até mais, foi um prazer te ver!
– Digo o mesmo Otávio!

Otávio? Porra, não é teu nome.


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