A ânsia de querer e o tédio de ter

Minha vida, especialmente nos últimos anos, tomou rumos diversificados relacionados a trabalho – o Condado, uma propriedade rural onde construímos um chalé e alugamos por Airbnb (estamos planejando uma nova casa lá), somos franqueados de uma rede de mercado autônomos e atendemos condomínios residenciais e empresas, e eu sigo trabalhando como programador e consultor na área que continua sendo minha paixão profissional: tecnologia.

Nos últimos dois anos voltei meus nem tão pequenos olhinhos para o mercado imobiliário e comecei a avaliar, planilhar e planejar se/como investir nessa área.

Comprei um terreno e adquiri (mais) dívidas com cartas de crédito em consórcio. Somente mês passado consegui a aprovação da prefeitura para o projeto arquitetônico, após longos meses de idas e vindas com o projeto.

O Condado, quando chegamos lá era só
mato – e não é força de expressão.

Essa construção é a realização de um sonho – desde que comecei a ter dinheiro para poupar e investir sempre tive dois objetivos em mente: não passar necessidade em tempos difíceis e conseguir ter renda para garantir que eu consiga ter uma aposentadoria.

Isso sempre me motivou a estudar sobre investimentos e economia no geral – saber onde estamos, o que já passamos como sociedade e o que pode estar pela frente é importante na hora de planejar onde alocar o dinheiro que custou toda uma vida para conseguir.

Pois é exatamente na realização de um sonho que pude perceber como a ansiedade e se deixar levar pelo “piloto automático” da vida podem fazer com que um evento positivo venha com uma enxurrada de sentimentos terríveis.

Mesmo hoje estando em uma situação financeira que considero confortável, o medo e a sensação constante de que alguma coisa vai dar (muito) errado e tudo o que foi construído vai simplesmente “desabar” nunca fica distante.

Ainda é difícil mudar o modo de agir e desacelerar depois de passar anos priorizando trabalho e dinheiro em detrimento de tempo de lazer, amigos, família e da saúde física e mental por anos.

A ânsia da produtividade ainda é uma constante, vivendo em uma confusão entre pessoa física e pessoa jurídica – como se as decisões pessoais fossem passar pelo crivo de um gerentinho com MBA no currículo e nosso prazer e vontades pessoais não fizessem parte da equação na priorização.

É a pejotização da vida, uma caminhada desalmada priorizando ganhar dinheiro que leva a, com frequência, pensar que qualquer atividade não produtiva ou lucrativa é um desperdício de tempo. Elimina-se o lazer, o ócio, o lúdico, o tempo de qualidade, a caminhada despretensiosa, o passeio sem rumo, a lagarteada no sol para olhar como tá bonito o céu. Tudo é encarado como demanda urgente que deve ser resolvida de maneira otimizada para trazer o melhor retorno.

A otimização da vida para o lucro talvez seja o maior trunfo do capitalismo. Não tenho dúvidas de que esse modo de encarar a vida está relacionado aos diversos problemas de saúde (nem tão) modernos que são quase epidêmicos atualmente. A estafa/burnout, ansiedade e uma série de fobias são quase inevitáveis, quando a mente está sempre no modo trabalho.

É uma “otimização” que mata qualquer senso colaborativo de comunidade. Parece também não existir lazer sem consumo – pois o consumo é a recompensa dessa labuta interminável – um afago para tentar acreditar que as 65 horas trabalhadas por semana estão valendo a pena.

Passar uma manhã de domingo sem fazer nada? Vou cortar a grama. Ou ainda melhor, vou trabalhar e pagar alguém para cortar a grama, pois a hora dele é mais barata que a minha – e farei essa troca mesmo que eu adore cortar a grama.

E quando uma conquista chega, não dá tempo para usufruir ou celebrar, ela é tomada pela nova ânsia do ter, o próximo objetivo toma o lugar e a máquina de moer qualidade de vida segue funcionando a todo vapor.

O único prazer que nem o mais tenebroso ímpeto capitalista
conseguiu suprimir é o de apreciar uma boa comida.

Nunca concordei mais do que neste momento com a frase “o homem é o lobo do homem”, a mente nos prega as mais diversas peças.

Esta semana tinha três coisas me tirando o sono:

  • Inauguração de um novo mercado, fizemos uma degustação de vinho para conhecer os moradores e divulgar o mercado no condomínio
  • Tive uma reunião importante para eu iniciar em um novo projeto de cliente que estou atendendo
  • Estou resolvendo a documentação da contemplação das cartas de consórcio para liberação do crédito e também fechando com prestadores os projetos que faltam para iniciar a construção (estrutural, elétrico e hidráulico), que deve iniciar nos próximos meses

Este conjunto de eventos me deixou completamente sem carisma e sem paciência. Qualquer pequena coisa que deu errado essa semana (e não foram poucas), na minha percepção deturpada da importância das coisas na vida, parecia ter um tamanho muito maior do que realmente era. Qualquer problema era o suficiente para me fazer bufar, indignado, de como as coisas não estavam dando certo – e me questionar: por que estou fazendo tudo isso?

E são três eventos que eu deveria estar celebrando.

Meu contrato com o cliente foi estendido – é o cliente com quem mais gosto de trabalhar atualmente, com os projetos mais desafiadores e muita autonomia para atuar.

Minhas cartas de crédito foram contempladas e estou realizando o sonho de construir uma nova forma de renda – provavelmente uma das partes mais importantes da minha aposentadoria, que está muito perto de se concretizar.

Estamos inaugurando uma nova loja, que vai permitir mais investimentos na nossa empresa, que está em expansão e melhorando a cada dia – apesar de não faltar desafios e problemas para resolver.

É importante celebrar.

E é necessário estar sempre consciente e vigilante para não transformar uma coisa boa e um tormento terrível – que só acontece dentro da nossa cabeça.

O tédio e o ócio criativo

As últimas duas semanas com feriados em dias estratégicos para emendar um feriadão, permitiram um gostinho do que é a vida em um ritmo menos acelerado – uma pausa quase obrigatória na ânsia de produtividade.

O tédio é uma ótima maneira para surgirem novas ideias, soluções e criações. Acredito que o ócio criativo vem da inquietude que o tédio causa – talvez um problema moderno de não saber apenas existir, sem fazer nada.

Tempo este cada vez mais raro, já nos é tomado com estratégias terríveis de dopamina, doom scrool e conteúdo infinito. Vendemos nosso tédio para consumir publicidade em tempo de tela.

Mas esta inquietude do tédio pode ser uma força para o processo criativo – sem ser necessariamente captado para a produção (de trabalho, dinheiro, retorno, capital) e sim criação nas artes – sentei para escrever num domingo a noite e nos últimos dias sinto u comichão para voltar a fotografar toda vez que saio caminhar.

Usar o tédio conscientemente como ferramenta de produção – mesmo que artística – não seria o cúmulo da captação dos nossos sentimentos pela própria ânsia de produtividade?

A ânsia da produtividade

Nas últimas semanas caí na tenebrosa espiral negativa da sensação de improdutividade.

Ela começa com uma sensação de improdutividade causada por um motivo qualquer (uma consulta médica, a cabeça zureta, luto, se informar demais, o que seja) e o pensamento de culpa “Hoje não consegui produzir muito, vou ficar até um pouco mais tarde para compensar”.

E você fica. E produz pouco, pois está exausto. E acorda ainda mais cansado no dia seguinte, num estado mental deplorável, novamente improdutivo e pensa: “Bom, vou ficar até mais tarde para compensar e amanhã tudo normaliza”.

Mês passado peguei projeto demais, um projeto estimado errado, os mercadinhos continuam dando mais trabalho do que deveriam e o Condado está sempre alugado e com um pepino ou outro para resolver – o resultado foram 3 semanas trabalhando sem final de semana.

Coincidência ou não, adoeci.

Não sei se foi gripe, se COVID, alergia ou simplesmente um pedido de ajuda do corpo, pois a cabeça já foi pro beleléu há muito tempo.

Determinado a não trabalhar neste final de semana que passou, me limitei a trabalhar sábado de manhã.

Quando parei para fazer almoço lembrei de uma longínqua época em que eu era feliz e sabia – antes de me envolver novamente com varejo (mercadinhos) e sítio eu tinha mais controle sobre o meu tempo, trabalhando apenas com consultoria e desenvolvimento.

Conseguia treinar em paz, acordar quando o corpo pedia e também não atender meu telefone. Vivi o sonho neste período da vida, e consegui fazer um experimento de redução de carga horária sem impactar nos ganhos financeiros.

Outra época e outra saúde mental – que tenho dúvidas se algum dia voltará.

E neste sábado, abrindo uma cerveja e pensando em como lidar com o tédio de não trabalhar, tocou a melhor versão de Take On Me e num verso lembrei deste tuíte (skeet? bluskeet? post) do Tarsis:

Aprender a viver devagar é um exercício constante. Desligar o alarme de sobrevivência é difícil demais

— Tarsis Azevedo (@tarsisazevedo.com) 1 de abril de 2025 às 22:51

Aprender a viver devagar (Slowly learning that life is okay… tupá tupá) é um exercício que precisa de treino e monitoramento constante, pois – em qualquer descuido – o medo ativa o piloto automático, e você estará mais uma vez se perguntando, beirando a estafa e sem tempo para o melhor da vida (improdutividade, ócio criativo, matar tempo): o que é que estou fazendo da minha vida?