Existe amor em SP


O Anderson França descreveu SP de uma maneira que eu não conseguiria: a visão de um carioca explorando a selva de pedra. A leitura esquentou meu coração ao me fazer lembrar de como eu fui acolhido por essa cidade com fama de fria e cinzenta.

Quem fala que “não existe amor em SP”, não chegou lá como migrante.

Tenho poucas lembranças da primeira vez que fui a SP. Eu era um pirralho, devia ter 13 anos e fui com meu pai. Ficamos hospedado em um hotel na região da 25 de Março – a viagem foi para fazer compras pra loja da minha mãe. Ficamos 2 exaustivos dias, batendo perna e entrando em todas as lojas de armarinhos da região.

Duas coisas me chamaram a atenção na cidade. A primeira foi o hotel – o prédio mais antigo que eu já tinha entrado até aquele momento. Era um lugar que deve ter sido lindo quando novo, mas tinha aquela decadência da região. Pé direito altíssimo, um lobby que algum dia foi glamuroso e agora tudo era velho. O quarto tinha uma sacadinha tão curta que não dava para entrar, com o parapeito de ferro, todo decorado e cheirando a ferrugem. A fachada toda ornamentada e decorada, mas com aspecto de velho e mal preservado – como a maioria dos prédios da região.

A segunda coisa foi o grande camelódromo a céu aberto que era o viaduto da Santa Ifigênia, fiquei fascinado. Os CDs falsificados eram mais baratos e tinham opções que nem chegavam no camelô de Passo Fundo. Foi lá que comprei um Corel Drawn piratão para começar a trabalhar fazendo materiais gráficos – e provavelmente, alguns jogos piratas.

Anos depois voltei, turistão, pra conhecer a @biab. No fim da adolescência, a cidade era ainda mais incrível.

Tudo era novo, tudo gigante, tudo agitado. Tudo bem distante de realidade de Passo Fundo e seus 200 mil habitantes sempre preocupados sempre com status.

O que mais me chamou a atenção nestas visitas turísticas – e que continuou me surpreendendo nos primeiros meses que fui morar lá foi a quantidade de gente que eu via ao sair na rua.

Eu, bem “piá de interior”, ficava sobrecarregado com a quantidade de informação, rostos e pessoas que via diariamente. O que eu via de gente em uma estação de metrô era mais do que a quantidade de pessoas que eu via em Passo Fundo numa semana inteira.

Anos depois, numa visita do meu irmão, quando isso já passava batido pra mim, ele me falou como era difícil andar em SP, que tinha muita gente e tinha que estar sempre atendo e desviando de coisas, e consegui novamente olhar praquela cidade com o olhar admirado de “primeira vez”.

Foi em SP que começou minha vida adulta de verdade, longe de família e dos amigos de infância, com as contas pra pagar e ansioso pelo o salário.

E SP, cinza, da garoa, corrida, com cada formiguinha atribulada fazendo seu corre e deixando a esquerda livre para os ainda mais apressados, me acolheu.

Entre o olhar paulista e o almoço corrido pra bater ponto, fiz amigos. Os queridos amigos do meu primeiro emprego na cidade talvez nem façam ideia do quanto foram importantes por me fazer sentir bem naquela cidade gigantesca onde eu não conhecia quase ninguém.

Pessoal da FIRMA™, no mural do Pé Pra Fora até hoje

Quando decidi que SP seria minha nova moradia, a cidade também me deu outra família, que me acolheu até eu achar um lugar para morar.

SP também me deu outro sotaque. A mistura do interior do RS com o paulistano “MANO, tri massa!” – sotaque já contaminado pelos anos morando em Sorocaba. Quando mudei, eu odiava a gíria “mano”. Trabalhando com cariocas, quase me peguei falando “mermão” e abracei o mano. SP é mistura – e não to falando da carne ma marmita.

Em SP eu conheci gente de tudo quanto é lugar do Brasil – e de fora dele. Nunca me acostumei a estar andando na rua e ouvir alguém falando outro idioma, andando naturalmente pela cidade, já com o olhar paulistano.

SP foi quem me possibilitou participar de eventos e da comunidade de desenvolvimento “fisicamente” – antes só participava de fórum e em blogs.

E quanta coisa acontece em SP!

Logo que cheguei a empresa me deu a oportunidade de ir em um evento da W3C – a primeira turma do curso de HTML5. Lembro que estava completamente empolgado com aquilo ocorrendo na minha vida.

Também foi SP que me ensinou que eu não era tímido. Só descobri isso anos depois de morar lá, quando um amigo disse que eu não era tímido – eu sempre havia me considerado tímido. Mas, ouvindo aquilo, fiz uma retrospectiva e acho que SP mudou um pouco isso também.

SP me ensinou que quarta tem feijuca, que pastel e caldo de cana é café da manhã, que dá pra beber em padaria – perdão, em padoca. E um pingado e um pão na chapa é patrimônio cultural.

SP me mudou. Fiz uma pós graduação, passei por dois empregos e também abri duas empresas.

Ganhei um housemate, amigos, dinheiro e uma gastrite, porque o amor de SP não é mão única. SP ama, mas cobra.


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